Mudanças no comando da Funai comprometem demarcações e política indígena

junho, 13 2019

Lideranças e parlamentares criticam decisão do Governo Federal de exoneração de mais um presidente do órgão; titular foi trocado nada menos que oito vezes nos últimos cinco anos
Lideranças e parlamentares criticam decisão do Governo Federal de exoneração mais um presidente do órgão; titular foi trocado nada menos de oito vezes nos últimos cinco anos

Por Bruno Taitson

Um time de futebol que troca frequentemente de técnico dificilmente consegue um bom desempenho no campo de jogo. Essa máxima parece se aplicar à gestão recente da Fundação Nacional do Índio (Funai). A exoneração do general Franklimberg Ribeiro de Freitas, nesta terça (11/6), representa a oitava troca na presidência do órgão nos últimos cinco anos, entre junho de 2014 e junho de 2019.

Para Ianukulá Kaiabi Suiá, presidente da Associação da Terra Indígena do Xingu (Atix), o governo só terá condições de assegurar os direitos dos povos indígenas com um mínimo de continuidade na gestão. “Precisamos de gente com tempo suficiente para assimilar as especificidades de cada povo indígena. O governo só terá condições de entender a causa indígena a partir do momento em que nós tivermos essa estabilidade”, criticou.

A deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), primeira parlamentar indígena na história do Brasil, entende a substituição do presidente da Funai como uma estratégia do agronegócio para bloquear as demarcações. “Logo após o Congresso derrubar a Medida Provisória 870, que passava a atribuição de demarcar para o Ministério da Agricultura, isso acontece. O governo precisa se explicar”, cobrou Joênia.

Segundo a parlamentar, as demarcações, que já há não ocorriam em ritmo satisfatório, devem ser paralisadas. “É grave o fato da Funai se submeter a influências externas da bancada ruralista, do agronegócio ou de qualquer grupo interessado em disputar direitos indígenas. Como coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, vou requerer que as demais bancadas se pronunciem sobre isso”, anunciou.

Ivaneide Bandeira Cardozo, coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, lamentou a crescente fragilização da Funai. “O recado está dado. Qualquer um que for colocado lá e não fizer o que os ruralistas querem, eles vão tirar. O governo, insatisfeito por não ter colocado as demarcações no Ministério da Agricultura, achou uma forma de mostrar que a Funai é comandada pelos ruralistas”, declarou.

O deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, ressaltou que os parlamentares tiveram muito trabalho para derrubar a MP 870/19, devolvendo a Funai para o Ministério da Justiça e mantendo as demarcações no órgão indigenista.

“O governo não gostou e a pressão continuou, até que o presidente Franklimberg de Freitas foi demitido. Não quero dizer que a Funai funcionava da forma mais eficiente possível, até porque a estrutura sempre foi muito deficitária. Esperamos que o governo entenda a necessidade de ouvir os povos originais e de assegurar seus direitos constitucionais”, opinou.

Segundo Raul Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil, a situação da Funai é extremamente preocupante. “Essa demissão mostra que, embora tenhamos ganhado uma batalha contra o desmonte da Funai via MP 870, perdemos outra. Prevaleceu a pressão dos ruralistas, que pretendem utilizar a Funai para acabar com a demarcação de terras e revisar terras já demarcadas, contrariando aquilo que é a função principal do órgão indigenista”.

Raul Valle lembrou que as terras indígenas representam 13% do território nacional e mais de 25% da Amazônia. “São áreas importantíssimas não apenas para a sobrevivência dos mais de 320 povos indígenas, mas também para a conservação da natureza, com mais de 98% de suas florestas protegidas. Deixar a Funai nas mãos de quem quer abrir as terras indígenas para ocupação irregular, grilagem, mineração, monocultura e atividade madeireira é algo totalmente inaceitável”, concluiu.
A Terra Indígena Praia do Carapanã situa-se na cidade de Tarauacá, no Acre, onde o WWF-Brasil já trabalha há anos
A demarcação de terras indígenas está sob sério risco
© WWF-Brasil/ Antonio Oviedo
Ianukulá Kaiabi fala da importância dos territórios indígenas do Xingu na contenção do desmatamento
© WWF-Brasil / Bruno Taitson
Joênia Wapichana, primeira deputada indígena da história do parlamento brasileiro
© Pablo Valadares / Câmara
A demarcação de terras é uma das principais reivindicações do movimento indígena
© APIB
DOE AGORA
DOE AGORA